PREFÁCIO À 2.ª EDIÇÃO
Esgotada a 1.ª edição de Introdução à História das Ideias Políticas, procede- se agora à publicação da 2.ª edição, na qual, para além de se corrigirem alguns lapsos, se desenvolvem, através do recurso aos mesmos instrumentos metodológicos, as entradas referentes a THOMAS PAINE, ROBERT OWEN, MIKHAIL BAKUNIN, GEORGE SOREL, ADOLF HITLER e MILTON FRIEDMAN.
O problema da política está muito presente no quotidiano das sociedades hodiernas. O espaço público encontra- se onusto de incessantes referências a temas que pertencem, de forma mais ou menos intensa, ao escopo da vida em comunidade. Embora nem todos a ela tenham acesso, em resultado do acelerado processo de digitalização da vida comunitária (que contrasta com uma propensão para a atomização social), a Ágora é, presentemente, um lugar muito mais amplo do que alguma vez foi.
Uma profusão de órgãos de comunicação social concorre, actualmente, com prolixas e imaginativas redes sociais. Tal facto tem contribuído, a nível global, para o aprofundamento da espetacularização da política e, inevitavelmente, por um lado, para a erosão do debate ideológico e, por outro, para o recrudescimento dos populismos. Paralela e paradoxalmente, a tendencial e cada vez mais veemente desmaterialização do espaço da disputa política tem conduzido (alicerçada em posicionamentos, interpretações e necessariamente confrontativas leituras binárias da realidade) a violentos processos de polarização.
Ao mesmo tempo, o antagonismo dicotómico direita/esquerda promove a perigosa ilusão de que realidades filosoficamente complexas podem ser facilmente compreendidas e contribui para o indelével aprofundamento do deslaçamento comunitário. Demais, ao simplificar a relação entre os indivíduos e o poder, não só obnubila a inevitabilidade e a premência da compreensão das diferentes camadas ideológicas que permitem densificar distintos sistemas de valores, como cauciona narrativas auto- justificativas e, por esse motivo, impossíveis de contraditar.
Por outro lado, a disputa política contemporânea tem sido intensamente contaminada e, numa parte significativa, dominada pelo identitarismo, pelos movimentos activistas, herdeiros do pós- modernismo francês e pelo recrescimento dos nacionalismos e da heterogeneidade de movimentos anti-globalistas. A fragmentação da comunidade em determinados grupos identificáveis a partir de características de natureza étnica ou religiosa, a cultura do ressentimento e a apologia de sociedades fechadas nega e rejeita qualquer possibilidade de existência de um ethos e, por conseguinte, não apenas obstrui os mecanismos de solidariedade recíproca, como contamina, através da introdução de apreciações ético-morais, qualquer espaço para a tolerância e o consenso.
A intensidade da querela e o interesse pelo fenómeno político, porém, não parece ter contornos transversais. Se é verdade, sobretudo numa bolha, que existe uma contínua e até animada discussão sobre os problemas (ainda que circunstanciais) da política, são alarmantes os níveis crescentes de afastamento da generalidade dos cidadãos, por exemplo, no que concerne à participação nos diversos actos eleitorais.
O conhecimento e estudo histórico das ideias políticas não constitui, per se, um remédio capaz de evitar o processo de comunuição e radicalização do espaço público. Todavia, auxilia, se rigoroso, na fundação de uma estrutura teórica suficiente para compreender a multiplicidade de narrativas e discursos, e sobretudo, confere instrumentos necessários para observar para além do véu de Maya.
Filipe de Arede Nunes