§§ ÚNICO: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
§ 1. O contrato de jogo e aposta tem, hodiernamente, uma vincada importância económico-social. Depois de anos de aparente letargia jurídica, o contrato de jogo e o contrato de aposta conheceram uma inusitada actividade jurisprudencial através do contrato de swap de taxas de juro, em sede da qual aquele (o contrato de jogo e o contrato de aposta) foi a estrela polar da primeira fase da jurisprudência dos swaps.
§ 2. O contrato de jogo e o contrato de aposta não esgota, todavia, a sua alta aplicabilidade prática no mare magnum dos contratos de swap de taxas de juro. Pelo contrário. O contrato de jogo e o contrato de aposta estendem a sua importância sócio-económica a todos os quadrantes de uma comunidade sócio-cultural e jurídica. Isso é visível em qualquer casino do mundo. Tal realidade sócio-jurídica não é, por isso, reconduzível a um dado e limitado espectro normativo-jurídico.
§ 3. A importância sócio-económica do contrato de jogo e do contrato de aposta perpassa, quer os estratos sócio-económicos mais favorecidos, quer os menos desfavorecidos. Ricos, pobres, ou «remediados», todos «tentam a sua sorte» nos casinos. Esta transversalidade económico-social é, no fundo, auto-explicativa: todos os dias e em todo o espaço lusófono (de Macau a Portugal) celebram-se, formal ou informalmente, contratos de jogo e aposta.
§ 4. Além da sua visível importância económico-social, o contrato de jogo e aposta tem, igualmente, diversas implicações jurídico-sociais. Isso explica que o contrato de jogo e aposta surja na confluência de candentes questões sociais (como o jogo compulsivo e o jogo responsável, ainda muito incipientes do ponto de vista do tratamento doutrinário e jurisprudencial no espaço lusófono) e de intrincadas questões jurídicas (como o eventual dever de cuidado dos casinos em relação aos jogadores compulsivos; o dever de organização do casino tendente a evitar danos a terceiros, de entre os quais os jogadores compulsivos; ou o sentido profundo de certas soluções jurídicas como o disgorgement ou a faute lucrative, relativamente a prémios de jogo pagos a menores de 21 anos).
§ 5. Tentando acompanhar os ventos da actualidade jurídica que promanam da alta aplicabilidade do contrato de jogo e aposta, a presente monografia visa conferir um tratamento doutrinário a estas questões puramente contratuais no âmbito do direito do jogo2que têm sido muito negligenciadas no panorama académico lusófono. A referência ao panorama jurídico lusófono não é inocente nem desprovida de sentido. Preferiu conferir-se um tratamento doutrinal ao contrato de jogo e o contrato de aposta que abrangesse, do ponto de vista contratual, a realidade portuguesa e de Macau (onde, como se consabe, se situa o maior pólo de jogo a nível mundial), de modo a buscar-se um conjunto de soluções interpretativas4 susceptíveis de aplicação prática nos dois extremos do espaço lusófono. É essa hercúlea tarefa que abraçaremos nas páginas seguintes.
§ 6. A monografia que o estimado leitor tem perante si avoca dois objectivos primaciais: i) traçar um (inédito e inovador) laço de pertinência entre quatro hemisférios do saber jurídico (o Direito Civil, o Direito Administrativo, o Direito do Jogo e o Direito dos Valores Mobiliários), que se destina a surpreender um cimento agregador (um fio condutor que une e) que perpassa o escol de cada um desses (só aparentemente desconexos) ramos do saber jurídico; ii) demonstrar que os tempos brumosos em que cada hemisfério do saber jurídico se remetia ao seu intangível núcleo de privacidade temática pertencem, definitivamente, ao passado que já sofre de lonjura.
§ 7. Os diferentes (?) ramos do saber jurídico caminham inexoravelmente para a unidade (na diversidade) científica. Este será um dos contributos científicos a que esta obra se colima e que o desfiar de Cronos, certamente, desnudará.