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Resumo
A presente investigação tem por objecto a reconstrução dogmática da fronteira da separação dos poderes legislativo e judicial na Constituição Portuguesa, partindo da percepção acerca do modo como, durante o constitucionalismo português, se procedeu à recepção de diferentes variantes da doutrina da separação dos poderes legislativo e judicial, seleccionando-se um repositório de soluções que se encontravam disponíveis no património histórico ocidental mas que foram objecto de mutações para sua adaptação às realidades específicas portuguesas, dando origem ao sistema híbrido presente na Constituição vigente.
Observa-se, como pressuposto inicial da investigação, a ideia-chave da inexistência de um conceito ideal e unitário de separação de poderes, a que cada Constituição esteja predestinada a recorrer, aceitando-se que cada sistema de separação de poderes vigente num dado momento e numa dada comunidade política corresponde àquele que tiver sido escolhido e positivado nas estruturas normativas aprovadas pelo poder constituinte. Este estudo é, portanto, na sua essência, de perfil dogmático-positivo, determinando a fronteira legislativa-jurisdicional traçada in concreto pela Constituição vigente.
Contudo, o percurso da investigação demonstra que as realidades normativas constitucionais consistem no produto de uma simples escolha que o constituinte realizou entre distintas opções que se encontravam disponíveis em repositórios anteriores. Assim, entender o sistema vigente significa, sobretudo, entender o significado que o normador de 1976 imputou a soluções pré-existentes. Por isso se parte deste pressuposto básico: estudar o sistema de inter-relacionamento entre funções e órgãos legislativos e jurisdicionais da Constituição de 1976 não significa estudar o sistema criado em 1975-1976, mas sim o sistema recombinado a partir de contributos pré-existentes em que o constituinte se inspirou.
Esse trabalho permite identificar os factores que presidiram à escolha constituinte especifica de manutenção, como base do sistema constitucional vigente, de uma variante legicêntrica de separação de poderes que dominou cada Constituição portuguesa anterior, sem prejuízo de a obra de 1975-1976, reflectindo o seu sistema axiológico compósito e incongruente na Constituição organizatória, ter recolhido novos elementos, próprios de uma variante de matriz judicialista, não facilmente coadunáveis com aquela base legicêntrica.
O resultado da obra compósita do constituinte consiste numa fronteira atípica de separação dos poderes legislativo e judicial, cujos elementos disruptivos devolvem ao intérprete a pesada tarefa de densificar a linha de demarcação entre funções e órgãos legislativos e jurisdicionais.